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Açorianidade no Brasil

MEMÓRIA CONTRA ESQUECIMENTO OU

COMO CONSTRUIR PROJETOS IDENTITÁRIOS NA ERA DAS INCERTEZAS GLOBALIZADAS

 

Mais do que evocar lembranças de um passado já distante, abordar o tema da Açorianidade no Brasil significa ir de encontro à possibilidade de transgressão da experiência fragmentária da globalização.

Inserida num sonho de pertencimento, a Açorianidade vivida no Brasil é um projeto, uma vocação, uma missão que pretende ordenar um destino em comum.

Identificar-se com a herança cultural açoriana é buscar um tipo de condição identitária que é, simultaneamente, alvo de uma escolha, de um esforço, de um objetivo e de uma tarefa a ser realizada no interior de uma sucessão de episódios históricos fragilmente interligados e embutidos na ampla complexidade da vida cotidiana.

No contexto das múltiplas encruzilhadas da cultura brasileira, empenhar-se na  Açorianidade é conquistar a segurança de pertencer a uma comunidade de vida e de princípios.

 

FABRICAR A TRADIÇÃO

Não esquecer.

No conteúdo programático dos projetos identitários é sempre um imperativo lembrar daqueles que ajudaram a manter unida a comunidade fundada e conectada em ideias e ideais diante das diversidades do nosso mundo “policultural”.

Ao inaugurarmos, enquanto sujeitos históricos, a segunda década do século XXI, nos vangloriamos de termos conquistado a consciência de que os projetos identitários são bastante revogáveis e provisórios.

É esta consciência, que em muito se avizinha da plenitude da meditação filosófica, que possibilita utilizar os efeitos desintegradores da globalização de forma mais positiva.

Positividade que nos permite vislumbrar o que realmente é a questão da identidade: uma convenção transitória, um artefato socialmente útil e necessário.

Sempre frágil e inacabado, o projeto identitário é, efetivamente, um sinal de advertência contra as várias formas de fundamentalismos.

Este é o seu maior desafio.

 

 

SOBRE O NÚCLEO DE ESTUDOS AÇORIANOS  (NEA) E AS CASAS DOS AÇORES

Fazer o resgate histórico, promover a busca memorial, a patrimonialização e a  partilha dos vestígios dos saberes tradicionais constituem a basilar expressão do trabalho de gestão do passado desenvolvido pelo Núcleo de Estudos Açorianos e pelas Casas dos Açores.

Nestas circunstâncias, reconstruir o passado no presente produzindo representações culturalistas legitimadas como bens patrimoniais compartilhados por uma comunidade significa, sobretudo, projetar uma teoria da identidade que irá justificar a elaboração dos mapeamentos culturais, dos calendários comemorativos e da encenação folclórica do passado.

Essas atitudes de resgate e valorização da herança cultural açoriana permitem compreender melhor os vínculos que são estabelecidos entre memória e identidade quando se trata de analisar os enredos do discurso identitário que sempre se mostra empenhado em construir uma memória coletiva unificada;  (mesmo que este empenho não seja explicitamente reivindicado).

SOBRE AS POLÍTICAS CULTURAIS

 

AÇORIANIDADE – Vitorino Nemésio

Quisera poder enfeixar nesta página emotiva o essencial da minha consciência de ilhéu.

Em primeiro lugar o apego à terra, este amor elementar que não conhece razões, mas impulsos; e logo o sentimento de uma herança étnica que se relaciona intimamente com a grandeza do mar.

 

Afetiva e seletiva, enraizada na memória, a identidade açoriana nutre-se de todas as formas de projeções oriundas de lembranças globais e particulares, prosaicas e simbólicas. Nesta bela passagem de Nemésio, encontramos a síntese das nossas reflexões. Diante das palavras do poeta, levamos à análise o discurso crítico acerca do trabalho de construção das estratégias identitárias e dos lugares de memória.

Não só como elementos de um inventário descritivo mas também como problema, interroguei, no decorrer da minha investigação, as práticas e motivações que buscam representar a autêntica identidade cultural do povo açoriano. Interroguei teses e livros, documentos e arquivos, museus e festividades populares e neles encontrei, de forma imperativa e onipresente, as ações de gestão pública do património histórico e cultural.

Sensibilizações ao dever de memória propagadas pela retórica epidítica, organização e seleção do que deverá ser conservado, comemorado e arquivado integram-se no trabalho de política cultural patrocinado pelo Governo dos Açores.

Trabalho que pressupõe, agora e sempre, um compromisso ético com a construção da história e que deve ser um pacto sempre aberto ao embate e ao debate para que o discurso de identidade não seja transformado em discurso de etnicidade, protegendo, deste modo, o espaço público democrático da feroz arbitrariedade das ações militantes e simplificadoras.

Se há uma inteligibilidade acerca dos fenómenos sociais que explicam a nossa vida em comunidade, também é certo pensar que o sentimento de apego e pertencimento ao grupo comunitário é, para encerrar na companhia de Nemésio, um “amor elementar que não conhece razões”!

ALMEIDA, Onésimo Teotónio. "Minima Azorica. O meu mundo é deste reino". Lajes do Pico: Companhia das Ilhas, 2014.
CANDAU, Joël. "Memória e Identidade". São Paulo: Editora Contexto, 2012.
HALBWACHS, Maurice. "A memória coletiva". Tradução de Laurent Schaffter. São Paulo: Edições Vértice, 1990.
LEAL, João. “Nação e império: Agostinho da Silva e as Festas do Espírito Santo”. Revista Práticas da História, n.º 4 (2017): 75-111.
NORA, Pierre. “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”. In: Projeto História. São Paulo. Número 10, p. 07-29, 1993.

OUÇA!

COMEMORAÇÃO DOS 270 ANOS DA PRESENÇA AÇORIANA EM SANTA CATARINA:

REPORTAGEM PRIMOROSA DA JORNALISTA MARGARIDA PEREIRA PARA A RÁDIO “ANTENA 1 AÇORES”.

 

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