SOBRE AS POLÍTICAS CULTURAIS
AÇORIANIDADE – Vitorino Nemésio
Quisera poder enfeixar nesta página emotiva o essencial da minha consciência de ilhéu.
Em primeiro lugar o apego à terra, este amor elementar que não conhece razões, mas impulsos; e logo o sentimento de uma herança étnica que se relaciona intimamente com a grandeza do mar.
Afetiva e seletiva, enraizada na memória, a identidade açoriana nutre-se de todas as formas de projeções oriundas de lembranças globais e particulares, prosaicas e simbólicas. Nesta bela passagem de Nemésio, encontramos a síntese das nossas reflexões. Diante das palavras do poeta, levamos à análise o discurso crítico acerca do trabalho de construção das estratégias identitárias e dos lugares de memória.
Não só como elementos de um inventário descritivo mas também como problema, interroguei, no decorrer da minha investigação, as práticas e motivações que buscam representar a autêntica identidade cultural do povo açoriano. Interroguei teses e livros, documentos e arquivos, museus e festividades populares e neles encontrei, de forma imperativa e onipresente, as ações de gestão pública do património histórico e cultural.
Sensibilizações ao dever de memória propagadas pela retórica epidítica, organização e seleção do que deverá ser conservado, comemorado e arquivado integram-se no trabalho de política cultural patrocinado pelo Governo dos Açores.
Trabalho que pressupõe, agora e sempre, um compromisso ético com a construção da história e que deve ser um pacto sempre aberto ao embate e ao debate para que o discurso de identidade não seja transformado em discurso de etnicidade, protegendo, deste modo, o espaço público democrático da feroz arbitrariedade das ações militantes e simplificadoras.
Se há uma inteligibilidade acerca dos fenómenos sociais que explicam a nossa vida em comunidade, também é certo pensar que o sentimento de apego e pertencimento ao grupo comunitário é, para encerrar na companhia de Nemésio, um “amor elementar que não conhece razões”!